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América Central: região de talentos, oportunidades e obstáculos para os autores audiovisuais


Nos últimos anos, a produção audiovisual na América Central tem experimentado um crescimento desigual. Alguns países conseguiram aumentar sua produção e colher prêmios e reconhecimentos internacionais entre seus criadores audiovisuais. Ao mesmo tempo, de maneira muito silenciosa, avançaram na proteção dos direitos autorais, enquanto outros enfrentam desafios econômicos e políticos que dificultam seu desenvolvimento.


Embora o Panamá esteja entre os países com maior desenvolvimento audiovisual da América Central, já foi abordado - de maneira individual - nesta seção quando foi realizado o relatório intitulado Panamá: o desafio de consolidar produções próprias e fazer valer os direitos de seus autores.


Neste Special Spotlight, focaremos na Guatemala, Honduras, El Salvador, Costa Rica e Nicarágua, que, embora apresentem realidades muito distintas, todos compartilham uma necessidade comum: fortalecer suas indústrias audiovisuais por meio de financiamento adequado, marcos regulatórios eficientes e uma maior difusão de suas produções no nível nacional e internacional. Países como Costa Rica e Guatemala consolidaram uma cena audiovisual com reconhecimento internacional, Honduras e El Salvador ainda lutam para estabelecer uma indústria mais estruturada, apesar de contarem com diretores talentosos e novas iniciativas legislativas.



A recente Lei de Cinematografia de Honduras e os esforços da Costa Rica por meio de seu Centro de Produção Cinematográfica são exemplos de tentativas para melhorar as condições do setor. No entanto, na Nicarágua, as restrições governamentais geraram um ambiente adverso para a produção independente, colocando em risco a liberdade criativa dos realizadores.


Os direitos dos autores audiovisuais também continuam sendo um tema-chave na região. Embora a maioria desses países tenha leis que protejam a propriedade intelectual, sua aplicação efetiva continua sendo um desafio. A luta por uma remuneração justa e por condições de trabalho mais equitativas permanece vigente, ao mesmo tempo que surgem oportunidades em festivais, coproduções internacionais e novas plataformas de distribuição. A evolução do setor dependerá em grande parte de políticas públicas que incentivem a produção local e de uma maior integração regional para fortalecer a presença do cinema centro-americano no mundo.


Costa Rica: uma lei aprovada que é um passo fundamental

O setor audiovisual na Costa Rica atravessa um momento de crescimento sustentado, com uma Lei de Cinematografia e Audiovisual aprovada em fevereiro, que abre uma esperança para o setor audiovisual do país.


Em diálogo com o AV Creators News, a diretora e roteirista Patricia Velásquez Guzmán afirma que "este é o melhor momento da história do cinema costarriquenho devido à produção constante": cerca de dez longas-metragens de ficção por ano, algo inédito no país. No entanto, esse desenvolvimento enfrenta importantes desafios, especialmente em termos de financiamento, preservação do patrimônio e reconhecimento dos direitos dos criadores audiovisuais.


Ao longo das últimas décadas, o cinema costarriquenho experimentou altos e baixos. Não foi até 2006, com a estreia de "Caribe", que a produção de longas-metragens foi retomada, chegando atualmente a uma cifra estável de estreias anuais. No entanto, a recente aprovação da Lei de Cinema pode mudar o rumo da história.

Patricia Velásquez Guzmán, diretora costarriquenha
Patricia Velásquez Guzmán, diretora costarriquenha

Com uma abordagem integral, a normativa estabelece incentivos fiscais que buscam atrair investimentos estrangeiros e fortalecer a produção nacional, além de garantir financiamento para projetos que reflitam a identidade cultural do país.


Além disso, a lei contempla medidas para a formação de novos talentos, assegurando que os profissionais do cinema e do audiovisual tenham mais oportunidades de capacitação e acesso a recursos que lhes permitam competir no mercado internacional. Outro aspecto fundamental desta legislação é o reforço dos direitos autorais, uma demanda histórica do setor. Com esse marco legal, os criadores costarriquenhos poderão contar com maior proteção sobre suas obras e receber uma remuneração justa pelo seu trabalho.


Além disso, a lei fomenta a melhoria da infraestrutura audiovisual, o que poderia posicionar Costa Rica como um destino atraente para filmagens internacionais. Em um contexto em que o cinema costarriquenho tem ganhado visibilidade em festivais de renome, esse avanço normativo pode ser o impulso definitivo para consolidar uma indústria cinematográfica sustentável e competitiva.


Medea (Alexandra Latishev, 2017)


"Sem dúvidas, é uma boa notícia, porque até hoje tinha sido impossível conseguir uma lei de cinema, já que havia muita oposição das operadoras de cabo e das exibidoras, que têm muito poder político", explica Velásquez Guzmán, que, interessada pela memória histórica, dirigiu a série documental "Algunos lugares" (2018), que explora a obra de poetas nacionais, e "Contemporáneos" (2020), uma série de seis episódios sobre a origem do movimento literário costarriquenho.


Até a aprovação da lei, o financiamento para o cinema na Costa Rica vinha de duas fontes: o fundo estatal El Fauno, que concede até 100 mil dólares para produção e 10 mil dólares para desenvolvimento, e o programa Ibermedia, ao qual o país continua contribuindo. Apesar disso, a maioria dos projetos requer coproduções internacionais para sua viabilidade. "Aqui, sempre a pós-produção é feita fora", menciona a diretora, evidenciando uma das grandes falhas a nível local.


Algunos lugares (Patricia Velásquez, 2018)
Algunos lugares (Patricia Velásquez, 2018)

Um dos incisos mais destacados da recém-aprovada lei é a criação de uma Cinemateca Nacional, que é descrita como um "departamento do Centro Costarriquenho de Cinema e Audiovisual, que terá como função a alfabetização cinematográfica e audiovisual".


Esse órgão ficará responsável pela restauração, preservação, guarda e difusão do patrimônio cinematográfico e audiovisual nacional, assim como do patrimônio cinematográfico e audiovisual internacional com relevante valor cultural. Além disso, será um centro especializado em pesquisa e contará com um centro de documentação e informação focado na atividade audiovisual.


Em termos de exibição, o sucesso de "Maikol Yordan de viaje perdido" (Miguel Alejandro Gómez) em 2014, com 800 mil espectadores, marcou um ponto de referência que nenhum outro filme conseguiu alcançar na Costa Rica. A sequência do filme chegou a 300 mil espectadores, mas, no geral, a audiência continua sendo reduzida em um país sem uma indústria cinematográfica consolidada. "Praticamente todas as pessoas que estão fazendo cinema o fazem talvez como um hobby, já que têm outro trabalho fixo", destaca a diretora, que desde este ano assumiu a direção do Costa Rica Festival Internacional de Cinema (CRFIC), liderando uma nova etapa na promoção e difusão do cinema costarriquenho.


Maikol Jordan de viaje perdido (Miguel Alejandro Gómez, 2014)
Maikol Jordan de viaje perdido (Miguel Alejandro Gómez, 2014)

Apesar dos desafios, o cinema costarriquenho conseguiu grande visibilidade em festivais internacionais. "Dá a sensação de que há mais filmes do que realmente existem", aponta Velásquez Guzmán, destacando a participação de produções locais em Cannes, Berlinale e Locarno.


No entanto, os cortes orçamentários no Ministério da Cultura afetaram o setor. O Festival Internacional de Cinema da Costa Rica sofreu uma redução de fundos, e os estímulos para formação e participação em oficinas diminuíram drasticamente. Isso levou a uma migração de profissionais do audiovisual em busca de melhores oportunidades, principalmente para o México. "Entre o ano passado e este, podem ter saído umas vinte pessoas, o que, em um país tão pequeno, é um número significativo", alerta a diretora, cujas obras mais destacadas incluem "Dos Aguas" (2015), uma coprodução entre Costa Rica e Colômbia; "Apego" (2019), realizada em colaboração com o Chile e premiada com o Prêmio Nacional de Cultura de Melhor Direção em 2019, além do Prêmio do Público no Festival de Cinema Las Américas em 2020; e "La piel del agua" (2024), que obteve reconhecimentos no 27º Festival Internacional de Cinema da América Central Ícaro 2025, incluindo Melhor Design de Som, Melhor Fotografia e Melhor Atuação Feminina.


Apego (Patricia Velásquez, 2019)
Apego (Patricia Velásquez, 2019)

O cinema documental teve uma história mais contínua na Costa Rica, com um importante impulso nos anos 70, graças à produção estatal através do Centro de Cinema. No entanto, a censura e a falta de apoio foram enfraquecendo essa tradição.


Em relação à ficção, as produções mais destacadas do século XXI foram dirigidas por mulheres, como "Tengo sueños eléctricos", de Valentina Maurel, "Medea", de Alexandra Latishev, "El camino", de Ishtar Yasin Gutiérrez, e "Agua fría de mar", de Paz Fábrega, que obteve o prestigioso Prêmio Tiger em Rotterdam.


Um dos maiores problemas do setor continua sendo a falta de uma organização sindical forte que represente os criadores audiovisuais e defenda seus direitos. "Existem algumas associações, mas não há uma que gerencie os direitos autorais", reconhece Velásquez Guzmán. As agrupações existentes, como a de documentaristas, a de mulheres diretoras e a de produtores, trabalharam em iniciativas de paridade e na promoção de uma lei de cinema, mas ainda há um longo caminho a percorrer em termos de direitos autorais e regulação do setor audiovisual.

La piel del agua (Patricia Velásquez, 2024)
La piel del agua (Patricia Velásquez, 2024)

Costa Rica se encontra em um ponto crucial de seu desenvolvimento cinematográfico. Embora a produção tenha crescido e os filmes tenham conquistado reconhecimento internacional, a falta de financiamento adequado, infraestrutura técnica e um marco legal que proteja os criadores audiovisuais continua sendo um obstáculo para sua consolidação como uma indústria estável. Nas palavras de Patricia Velásquez Guzmán: "Todo tempo passado foi pior", uma afirmação que, embora reflita um avanço, também deixa claro que ainda há muito a ser feito para que o cinema costarriquenho alcance seu máximo potencial.


Honduras: um caminho a percorrer

O cinema hondurenho percorreu um longo caminho desde sua primeira produção em 1962 até os dias atuais, com uma indústria crescente impulsionada por novas leis e fundos de financiamento. A diretora hondurenha Laura Bermúdez, que dirigiu 11 documentários premiados em diversos festivais internacionais, consolidando-se como uma das realizadoras mais proeminentes da região, compartilha com o AV Creators News sua visão sobre o desenvolvimento do cinema em seu país, os desafios que enfrenta e as oportunidades que se apresentam para o futuro.


A história do cinema em Honduras começa em 1962 com o curta-metragem "Mi amigo Ángel", dirigido por Sami Kafati, considerado o pioneiro do cinema nacional. Kafati, influenciado pelo neorrealismo italiano, buscava refletir a sociedade hondurenha em suas produções. Seu longa-metragem "No hay tierra sin dueño", terminado postumamente e estreado em 2003 em uma seção paralela de Cannes, continua sendo uma das obras mais emblemáticas do cinema hondurenho.


"Podemos dizer que o cinema em Honduras tem um começo tardio, se o colocarmos no contexto da história do cinema", explica Bermúdez, que com seu documentário "Negra soy" recebeu o Prêmio do Público na seção "Afirmando os Direitos da Mulher" no Festival de Cinema Espanhol de Málaga em 2018 e fez parte da seleção oficial do Festival Internacional de Cinema Documentário de Sheffield, na Inglaterra.


Negra soy (Laura Bermúdez, 2017)
Negra soy (Laura Bermúdez, 2017)

Até a aprovação da Lei de Cinema em 2019 e sua implementação em 2020, a produção cinematográfica em Honduras era principalmente autofinanciada ou dependia de patrocínios privados. "O cinema em Honduras tem um antes e um depois da aprovação desta lei", aponta Bermúdez. Essa legislação permitiu a criação do Instituto Hondurenho de Cinema (IHCINE) e do Fundo para o Desenvolvimento Cinematográfico (FONDECI), abrindo a porta para a participação de Honduras no Ibermedia, o fundo regional mais importante da região.


Apesar desses avanços, Bermúdez reconhece que os resultados ainda estão em processo. "Os primeiros filmes financiados com esses fundos estão em rodagem ou pós-produção. Houve um impulso nos curtas-metragens e documentários, mas o impacto será mais visível nos próximos anos".


Um dos grandes obstáculos para a consolidação da indústria cinematográfica em Honduras é a falta de formação especializada. "Em Honduras, não há uma escola de cinema nem um curso universitário na Universidade Autónoma de Honduras. O Instituto Hondurenho de Cinema apostou em workshops, mas são de curta duração", diz a diretora, que está na fase final de produção de seu primeiro longa-metragem de ficção, "Allá donde nace el sol", um projeto que levou uma década para ser desenvolvido e que foi filmado em 2021 em zonas de Iriona, Colón.


A Escola de San Antonio de los Baños em Cuba tem sido o principal centro de formação para cineastas hondurenhos. "Recentemente, vários hondurenhos estudaram lá, fortalecendo áreas como fotografia e som", destaca Bermúdez.


Laura Bermúdez, diretora hondurenha


Atualmente, o FONDECI oferece financiamento estatal por meio de convocatórias anuais. "Foram abertas oportunidades para longas-metragens, curtas-metragens e séries. Nos últimos dois anos, vários projetos hondurenhos foram premiados no Ibermedia, o que demonstra que algo importante está acontecendo", comenta Bermúdez. Além disso, a primeira coprodução hondurenha com outro país (“Eva”, dirigida por William Reyes e produzida por Ana Martins) é um marco que marca o crescimento da indústria.


No entanto, a autogestão continua sendo fundamental. "Alguns cineastas conseguimos financiamento no exterior. No meu caso, consegui fundos do Instituto Mexicano de Cinema para o meu primeiro longa-metragem", explica.


O desconhecimento sobre direitos autorais é outro problema que a indústria enfrenta. "Existe um escritório de direitos autorais, mas há poucos advogados especializados na área cinematográfica", alerta a diretora. "Queremos nos abrir para coproduções internacionais, mas nos falta conhecimento legal para gerenciar esses acordos".

Negra soy (Laura Bermúdez, 2017)
Negra soy (Laura Bermúdez, 2017)

Quanto à participação das mulheres no cinema hondurenho, historicamente tem sido baixa. "Em 2018, de aproximadamente 50 longas-metragens de ficção lançados nos cinemas, apenas um foi dirigido por uma mulher", afirma Bermúdez.


Para mudar essa situação, foi criada a Coletiva de Cineastas Hondurenhas em 2018. "Nos organizamos para fomentar a participação das mulheres na indústria. Conseguimos financiamento para um curso de pós-graduação chamado Una Mirada Propia, que já vai para a sexta edição, e também organizamos a mostra de cinema ibero-americano El Sueño de Alicia, que está em sua sétima edição". O avanço é evidente. "Cada vez mais mulheres ganham convocatórias do Instituto Hondurenho de Cinema. Mas historicamente, as mulheres foram relegadas a papéis de produção, maquiagem e figurino. Ainda falta muito a ser feito para que haja mais diretoras e roteiristas", destaca.


Atualmente, a Coletiva de Cineastas está em processo de se tornar uma associação com personalidade jurídica e solicitou um espaço no Conselho Nacional de Cinema, onde ainda não há representação feminina.



O cinema hondurenho também tem experimentado um crescimento na organização sindical. "Existem associações como Linterna Mágica e a Indústria Cinematográfica de Honduras (ICH), que promoveram a criação da Lei de Cinema e têm um assento no Conselho Nacional Cinematográfico", explica Bermúdez. Recentemente, foi criada a APCA, uma associação de produtoras, para fortalecer o setor empresarial do cinema.


Com a chegada de novas oportunidades de financiamento, o impulso à participação feminina e a organização do sindicato, o país está dando passos firmes. No entanto, os desafios em formação, direitos autorais e equidade de gênero ainda são obstáculos pendentes no caminho do cinema hondurenho em direção ao reconhecimento internacional.


Guatemala: falta de apoio estatal e muitas lutas a enfrentar

O cinema guatemalteco tem experimentado um crescimento notável nas últimas duas décadas, consolidando-se como uma indústria emergente na América Central. Com um passado marcado pela censura e falta de apoio estatal, hoje os autores audiovisuais guatemaltecos conseguiram posicionar suas produções em festivais internacionais e abrir novas oportunidades para a indústria local.


O diretor Jayro Bustamante, um dos nomes mais reconhecidos do cinema guatemalteco, levou a cinematografia do país a palcos globais com filmes como Ixcanul (2015) e La Llorona (2019), ambos amplamente premiados, e Rita (2024), sua última produção, foi pré-selecionada para representar o país no Oscar. "O cinema na Guatemala encontrou sua própria voz, apesar das limitações estruturais que ainda enfrentamos", declarou o diretor ao site CineLatino.

Rita (Jayro Bustamante, 2024)
Rita (Jayro Bustamante, 2024)

A história do cinema na Guatemala tem antecedentes desde a década de 1950, mas a produção cinematográfica profissional começou a ganhar força nos anos 2000 com obras como "Gasolina" (2008) de Julio Hernández Cordón, que marcou um ponto de inflexão para a narrativa audiovisual do país.


No entanto, a falta de uma lei de cinema tem sido um obstáculo constante. Ao contrário de países vizinhos como Costa Rica e Honduras, a Guatemala ainda não conta com um marco legal que regule e fomente a indústria. "A ausência de incentivos fiscais e financiamento estruturado nos obriga a buscar recursos no exterior", comentou Bustamante, que tem trabalhado em coproduções com a França e o México para levar adiante seus projetos.


Um dos principais desafios do setor é a formação profissional. Atualmente, não existe uma escola pública de cinema na Guatemala, o que obriga muitos realizadores a buscar formação no exterior, principalmente na Escola de Cinema de San Antonio de los Baños, em Cuba, ou em academias privadas.


Julio Hernández Cordón (foto: David Heischrek) - Gasolina (2008)


No entanto, iniciativas como o Festival Ícaro têm sido fundamentais para o desenvolvimento de novos talentos e a promoção de obras guatemaltecas. Fundado em 1998, o Festival Ícaro tem sido uma plataforma essencial para o cinema regional, impulsionando o reconhecimento de diretores emergentes e proporcionando espaços de exibição para produções locais.


Apesar da falta de apoio estatal, o cinema guatemalteco tem conseguido se destacar graças à autogestão e à colaboração internacional. Nos últimos anos, documentários como "Los ofendidos" (2016) de Marcela Zamora e "1991" (2021) de Sergio Ramírez abordaram temas históricos e sociais com uma profundidade que ressoou na audiência. O auge do cinema de denúncia social tem sido uma das principais características do cinema guatemalteco contemporâneo, dando visibilidade a problemáticas como o racismo, a violência e a memória histórica do país.


1991 (Sergio Ramírez, 2018)


O papel das mulheres na indústria cinematográfica guatemalteca também tem aumentado. Diretoras como Anaïs Taracena se destacaram na cena internacional com obras como "El silencio del topo" (2021), documentário que recebeu prêmios em festivais como o de Málaga e o de Cinéma du Réel na França. "As mulheres tivemos que abrir espaço em uma indústria predominantemente masculina, mas estamos conseguindo contar nossas histórias com maior visibilidade", destacou Taracena em uma entrevista ao LatAm Cinema.


Em termos de distribuição, os cineastas guatemaltecos enfrentam o desafio de acessar espaços de exibição dentro do país. As salas comerciais continuam dominadas por produções de Hollywood, e os circuitos alternativos são limitados.


Diante dessa situação, plataformas de streaming têm servido como uma via para que as produções nacionais cheguem a um público mais amplo. "O streaming nos deu uma oportunidade que antes não existia. Agora, nossos filmes podem ser vistos fora da Guatemala sem depender dos cinemas locais", destacou Julio Hernández Cordón.


El silencio del topo (Anaïs Taracena, 2021)


Apesar dos desafios, o cinema guatemalteco segue avançando com determinação. Com o impulso de festivais, coproduções internacionais e o surgimento de novas vozes, a indústria se encontra em um momento de consolidação. No entanto, a necessidade de uma legislação que fomente a produção nacional continua sendo uma das grandes dívidas do Estado com o setor audiovisual. "Sem uma lei de cinema, o crescimento do cinema guatemalteco continua dependendo de esforços individuais. Chegou a hora de o país apostar em sua própria narrativa", concluiu Bustamante.


A falta de uma lei específica de cinema limita o acesso a incentivos fiscais e financiamento estável para os cineastas, o que dificulta o desenvolvimento da indústria. No entanto, há esforços por parte de organizações culturais e festivais de cinema para promover a produção nacional. A legislação sobre direitos autorais na Guatemala protege as obras audiovisuais, mas a aplicação efetiva dessas leis é limitada. A pirataria e a falta de uma gestão coletiva organizada são problemas comuns que afetam os criadores. Existem esforços para melhorar a proteção dos direitos autorais, mas é necessário um maior compromisso institucional e social para fortalecer a situação.


Nesse contexto, a Associação Guatemalteca do Audiovisual e da Cinematografia (AGAcine) tem desempenhado um papel fundamental na luta pela formalização do setor cinematográfico no país. Criada em 2007, a AGAcine agrupa produtores, diretores, técnicos e trabalhadores ligados ao cinema com o objetivo de fortalecer a indústria e desenvolver um marco regulatório adequado. Desde sua fundação, tem trabalhado na promoção da Lei da Indústria Cinematográfica e Audiovisual, uma norma que visa regular e fomentar a produção cinematográfica, além de preservar o patrimônio audiovisual guatemalteco.


Ixcanul (2015) e seu realizador Jayro Bustamante


Em relação ao cinema feito por mulheres, a Guatemala tem experimentado um crescimento significativo nos últimos anos. Embora ainda enfrentem desafios como a falta de financiamento e o acesso limitado a oportunidades, há um número crescente de diretoras fazendo contribuições importantes para o cinema guatemalteco.


Filmes e documentários dirigidos por mulheres abordam temas sociais e culturais relevantes, oferecendo perspectivas únicas sobre a realidade guatemalteca. Festivais de cinema e programas de apoio à diversidade ajudaram a visibilizar o trabalho dessas diretoras, o que impulsionou uma mudança positiva na indústria.


Todos os atores que compõem o setor audiovisual concordam que a implementação de políticas mais eficazes e o apoio institucional seriam fundamentais para desenvolver produções mais sustentáveis e diversificadas em um país com talentos e milhares de histórias para contar.


Nicarágua: o cinema como um modo de resistência

O cinema nicaraguense atravessou um caminho marcado pela resistência e pela luta pela liberdade de expressão. Apesar de seu rico potencial narrativo, o contexto político do país tem representado um obstáculo constante para o desenvolvimento do setor audiovisual. A Nicarágua, sob o regime autoritário de Daniel Ortega, enfrenta restrições que afetam gravemente a cultura e a produção cinematográfica. Mesmo assim, alguns diretores e diretoras encontraram formas de contornar a censura e levar suas histórias para a tela grande, muitas vezes recorrendo a plataformas digitais e festivais internacionais.


O cinema na Nicarágua teve um auge na década de 1980 com a criação do Instituto Nicaraguense de Cinema (INCINE), que impulsionou a produção de documentários e filmes focados na revolução sandinista. No entanto, com a chegada dos anos 90 e o desmantelamento do INCINE, a produção audiovisual sofreu um golpe significativo. A partir da década de 2000, novos realizadores começaram a emergir com produções independentes que refletem a realidade social e política do país.


Filmes como La Yuma (2010), de Florence Jaugey, e Dos Fridas (2018), de Ishtar Yasin Gutiérrez, conseguiram se posicionar em festivais internacionais, demonstrando a qualidade e o potencial do cinema nicaraguense. No entanto, a falta de uma estrutura de apoio e financiamento para a indústria continua sendo um desafio.


La Yuma (Florence Jaugey, 2010)


O maior obstáculo para o cinema na Nicarágua é a censura. Desde a crise sociopolítica de 2018, o governo intensificou a repressão contra qualquer expressão artística que critique o regime.


Muitos diretores, roteiristas e outros artistas foram forçados ao exílio ou enfrentaram perseguição por abordar temáticas sensíveis, como a violação de direitos humanos e a corrupção. Nesse contexto, a produção cinematográfica se tornou um ato de resistência.


A ausência de uma lei de cinema agrava a situação. Ao contrário de outros países da região, a Nicarágua não possui um marco legal que fomente a produção audiovisual nem ofereça incentivos fiscais ou apoio estatal. "O cinema na Nicarágua é uma batalha constante contra a censura e a falta de recursos. Enfrentamos a indiferença do governo e, em muitos casos, o medo de contar nossas próprias histórias", disse um diretor nicaraguense que preferiu permanecer anônimo por questões de segurança.


Dos Fridas (2018) e sua realizadora, Ishtar Yasin Gutiérrez


Diante da falta de espaços de exibição e do controle governamental dos meios de comunicação, muitos cineastas recorreram a plataformas digitais para distribuir seus filmes. Festivais internacionais e circuitos alternativos tornaram-se as principais janelas de exibição para o cinema nicaraguense. Documentários como Nicaragua, patria libre para vivir (2021) foram censurados dentro do país, mas encontraram público no exterior.


O cinema de denúncia social ganhou destaque, com produções que documentam a repressão e as violações aos direitos humanos na Nicarágua. Esses filmes não apenas buscam gerar consciência, mas também servir como um arquivo histórico da resistência do povo nicaraguense.


O cinema feito por mulheres na Nicarágua também enfrenta desafios em um ambiente adverso. Diretoras como Florence Jaugey abriram caminho para novas vozes que buscam contar histórias de uma perspectiva diferente. "Fazer cinema na Nicarágua sendo mulher implica em um esforço duplo: enfrentamos tanto a censura política quanto o machismo na indústria", comentou a diretora em um debate sobre cinema e direitos humanos.


A diáspora de cineastas permitiu que histórias nicaraguenses fossem contadas do exterior, com produções que refletem a identidade, a luta e a esperança do povo. No entanto, o futuro do cinema na Nicarágua dependerá em grande parte da possibilidade de recuperar espaços de liberdade e gerar mecanismos de apoio para a produção audiovisual.


El Salvador: falta de apoio em um contexto político e social difícil

O cinema salvadorenho é um dos menos desenvolvidos da América Latina. Com pouco mais de 6 milhões de habitantes, a produção cinematográfica no país é mínima, com apenas alguns poucos filmes realizados por ano, e ainda menos com possibilidades de distribuição internacional. O desenvolvimento de uma cinematografia nacional requer o apoio estatal em três pilares fundamentais: a formação de cineastas, o financiamento para a produção e a preservação da memória audiovisual.


No entanto, em El Salvador, esses três aspectos estão ausentes. Em diálogo com a AV Creators News, o diretor Julio López explica que "em El Salvador nos faltam as três coisas". Não existe uma escola de cinema pública nem privada consolidada que ofereça um curso de graduação em cinematografia. Isso obriga os cineastas salvadorenhos a se formarem no exterior, e em muitos casos, a permanecer fora do país. Essa situação dificulta a criação de uma geração contínua de realizadores que possam competir em mercados internacionais.


"Quase todos os cineastas que produziram nos últimos 20 anos saíram para estudar fora e depois retornam. Ou às vezes nem retornam, mas apenas voltam para filmar", explica López, que se destacou com sua estreia "La batalla del volcán" (2018), um documentário que aborda a ofensiva guerrilheira de 1989 em El Salvador.


Julio López, diretor salvadorenho


Outro problema estrutural é a ausência de um marco legal e de fundos estaduais específicos para o cinema. Durante um breve período, o Fundo Pixels, gerido pelo Ministério da Economia, possibilitou a produção de alguns filmes salvadorenhos. No entanto, esse fundo desapareceu e tinha limitações importantes. "Era um fundo com regras específicas para a produção de produtos comerciais. Mas o cinema com uma perspectiva de identidade nacional não deve se submeter a esquemas comerciais", aponta o diretor.


Desde então, o único acesso a financiamento vem do Ibermedia, fundo internacional ao qual El Salvador se juntou recentemente, embora esses fundos tenham requisitos técnicos elevados e exijam coproduções, o que dificulta o acesso para cineastas emergentes com recursos limitados. "Fomos um dos últimos países a entrar no Ibermedia, mas suas exigências fazem com que nem todos possam acessar esses fundos", afirma López, que em 2023 apresentou "Añil", um documentário que explora os testemunhos de mulheres salvadorenhas que sofreram abusos e violência sexual durante o conflito armado no país.


Também não há uma cinemateca nacional nem espaços alternativos onde o público possa acessar produções locais, regionais ou internacionais fora do circuito comercial. "Não temos opções para ver cinema em salas de boa qualidade que não sejam as salas comerciais", lamenta López. A falta de uma rede de distribuição local limita a chegada do cinema salvadorenho ao seu próprio público e reduz seu impacto na sociedade. "O impacto que temos frente ao avassalador que podem ser Hollywood e as plataformas de streaming é muito pequeno. Poderia ser muito maior e é uma das dívidas pendentes que temos como sociedade salvadorenha com as artes em geral", reflete o diretor.


La batalla del volcán (Julio López, 2018)


No contexto político atual, as restrições à liberdade de expressão também afetam o cinema. "Todo o aparato governamental tem as narrativas muito controladas em El Salvador. Não vejo possibilidades de financiar um cinema independente e de arte no país", alerta López. A falta de financiamento estatal, combinada com um crescente controle sobre os discursos no espaço público, dificulta a produção de obras que abordem realidades críticas ou que não estejam alinhadas com o discurso oficial.


De qualquer forma, a comunidade cinematográfica salvadorenha segue ativa. A Associação Salvadoreña de Cinema (A Cine) tem trabalhado pela organização do setor, embora sem apoio estatal. "Desde que participo da cena local, há 15 ou 20 anos, houve momentos de maior e menor organização, mas a associação sobreviveu a vários governos", comenta López.


O cinema salvadorenho tem demonstrado seu potencial no campo do documentário, especialmente em temas de memória histórica, contribuindo para a construção da identidade nacional. "Fizemos muito documentário com memória histórica, o que contribuiu para processos identitários na sociedade salvadorenha, mas ainda é muito pouco", reconhece o diretor.


No futuro, o desenvolvimento do cinema em El Salvador dependerá da implementação de políticas culturais sólidas, com financiamento adequado e espaços de exibição. "Não parece que haverá muito avanço. Não há fundos, não há escola de cinema, não há lei de cinema, não há cinemateca. E isso significa que não há uma estrutura para o cinema salvadorenho", conclui López.


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